“Conflitos e política ficam fora do hospital”, diz médico árabe-israelense

Após atender refugiados ucranianos na Polônia no início da guerra, especialista treinado no Oriente Médio veio ao Brasil e afirma que o primeiro a fazer é sempre tratar o medo

O médico árabe-israelense Ahmad Nama afirma que há um tabu no departamento de emergência do hospital Hadassah Ein Kerem, uma das unidades de referência do sistema de saúde de Israel, que ele lidera: nada de política nos corredores. Em uma Jerusalém onde disputas étnicas e religiosas são cada vez mais frequentes, Nama e sua equipe se esforçam para que cada judeu, árabe ou palestino seja tratado, pelo tempo que for preciso, como apenas mais um paciente — embora o conflito eventualmente entre pela porta da frente.

Nama, de 38 anos, esteve com médicos e estudantes no Hospital das Clínicas, em São Paulo, e no Hospital Souza Aguiar, no Rio, para trocar experiências e contar um pouco de sua expertise, que inclui, entre outras passagens, o atendimento de refugiados ucranianos na fronteira com a Polônia, nos primeiros meses de guerra.

 

Como foi prestar atendimento aos refugiados ucranianos na Polônia?

Logo no início da guerra, quando muita gente estava deixando a Ucrânia, Jorge [Diener, CEO do Hadassah International], visitou a Polônia com alguns médicos e funcionários do Hadassah. Eles, literalmente, saíram de lugar nenhum para lugar nenhum na fronteira polonesa, a procurar para onde esses refugiados estavam indo e como poderiam ajudar. Hoje já se sabe que houve um grande fluxo de pessoas de todo o mundo naquela área. Inicialmente, montamos uma clínica dentro de um shopping, o que foi basicamente construir algo do nada. Chegamos a esta clínica, entramos, sentamos lá e os refugiados basicamente vieram da fronteira ucraniana para obter tratamento para uma ampla gama de coisas. Também tivemos outro espaço em outro shopping, mas, no final, começamos a atender dentro do consulado ucraniano, em um antigo teatro que estava lotado de refugiados.

 

Qual era o maior desafio na fronteira ucraniana?

Posso dizer que tudo que vivi na minha vida na medicina, toda a experiência, tive que colocar em prática em um mesmo lugar por duas semanas. Desde o primeiro dia, tentamos cadastrar todos os pacientes que atendemos, inclusive funcionários que se machucaram durante o atendimento aos refugiados. Não tínhamos todo o equipamento necessário, mas lembro de usar um ultrassom móvel para verificar uma mulher que chegou com alguma queixa de falta de ar: pudemos ver que ela tinha líquido nos pulmões.

 

Havia alguma urgência mais recorrente entre os ucranianos que chegavam para atendimento?

A maioria dos pacientes que chega lá estava com medo. Havia pessoas que não conseguiram pegar seus remédios antes de sair de casa, principalmente idosos, e estavam com problema de pressão. Muitos tinham escaras, pelo tempo que passaram sentados ou pelas longas distâncias que percorreram a pé. Não lembro de ninguém com perfurações, mas se algum deles sobreviveu a um bombardeio ou coisa do tipo, provavelmente não falou sobre isso e relatou apenas alguma dor. Eles precisavam de assistência para ferimentos leves e alguém para conversar. E nós estávamos lá para apoiar em tudo, fosse conversar, dar um abraço ou dizer que está tudo bem. Clínicas médicas e hospitais, geralmente, são locais onde você presta socorro. E essas pessoas estavam com medo.

 

Você conseguiu sentir o que se passava do outro lado da fronteira?

Se você fosse aos lugares aonde nós fomos, você estaria chorando até agora. É um caos total. Imagine ser forçado a entrar no saguão de um shopping, precisando primeiro de um número, como em uma prisão ou uma espécie de área controlada. Eles te dão um pedaço de colchão, onde você tem que dormir. Também dão comida, mas você não sabe quem cozinhou. Lá dentro, tem literalmente barracas de países: Alemanha, Noruega, Suécia… Você vai, se cadastra, e eles colocam seu nome no quadro branco. Depois, você é colocado em um ônibus, e vai para algum lugar, mas você não sabe para onde. Você veio de algum lugar e agora não está em lugar nenhum. É um desastre total. Alguns pacientes precisavam de cuidados urgentes. Lembro de um deles que precisava fazer hemodiálise. Como é que ele ia ter acesso aquilo?

 

Como é ser um árabe-israelense dirigindo o departamento de emergência de um hospital de referência em Israel?

O Hadassah fica em um lugar que certamente é um dos mais complexos do Oriente Médio, e talvez do mundo. O que nós tentamos fazer – e estamos fazendo – é manter o conflito fora do hospital e do nosso cotidiano. É um tabu que criamos para não permitir que pensamentos eticamente questionáveis entrem no hospital. Sempre há tensões, conflitos e problemas na cidade. Se isso entrar no hospital, será um desastre total. Nós deixamos todos os conflitos e a política fora do hospital. Quanto a ser um árabe liderando um departamento de emergência, meu objetivo de vida e o que eu faço no dia a dia tem a ver com profissionalismo.

 

Mas o conflito eventualmente não entra pela porta da emergência?

É claro que sim, nós estamos lá e eles vêm até nós. Certa vez um paciente me pediu uma bata porque ele queria fugir do hospital se passando por médico, com medo de que um grupo rival o encontrasse. Eu não dei a bata, mas chamei a segurança e o transferimos para uma outra unidade do hospital. A questão á que quando alguém entra pela porta da emergência, essa pessoa é um paciente.

 

Seu departamento é uma referência em Israel pelo uso de bloqueadores nervosos para reduzir a dor…

O conceito de bloqueio nervoso, basicamente, é se você machucar alguma parte do corpo, ir até o nervo e dar um anestésico local. É como quando você vai ao dentista e ele coloca anestesia local para fazer extrações de dente. Aprendi a fazer o bloqueio nervoso específico para quem vem com fratura de quadril, principalmente idosos. Passamos esse procedimento para todas as equipes porque é inadmissível um paciente com o quadril quebrado ser deixado com dor. Fizemos mais de 250 bloqueios até agora.

Fonte: O Globo

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